Quando se fala em renda fixa, muitos investidores acreditam que estão entrando em um mundo previsível, onde os retornos são conhecidos desde o início. Mas nem sempre é bem assim. Um conceito fundamental — e muitas vezes mal compreendido — nesse universo é o da marcação à curva. Neste artigo, vamos explicar o que isso significa, como funciona no Brasil, e como afeta seus investimentos.
O Que é Marcação à Curva?
A marcação à curva (ou mark-to-curve, em inglês) é um método de precificação de títulos de renda fixa com base na taxa contratada no momento da compra, mantendo a projeção de rendimentos constante até o vencimento. Isso significa que o valor do título vai sendo ajustado diariamente, de forma suave, refletindo apenas o tempo decorrido e não as variações do mercado.
Essa metodologia é amplamente utilizada por fundos de investimento, especialmente nos títulos que são mantidos até o vencimento, como debêntures, CDBs, LCIs, LCAs e títulos públicos.
Marcação a Mercado x Marcação à Curva
Antes de prosseguir, vale diferenciar a marcação à curva da marcação a mercado, que é mais comum em títulos negociados com frequência (como Tesouro IPCA+ ou Tesouro Prefixado).
| Característica | Marcação à Curva | Marcação a Mercado |
|---|---|---|
| Base de precificação | Taxa contratada (mantida) | Preço atual do mercado |
| Variação de preço | Linear e previsível | Oscila com mercado (volátil) |
| Utilização | Renda fixa privada, fundos | Tesouro Direto, fundos abertos |
| Impacto no valor do título | Baixo (só tempo) | Alto (juros e oferta/demanda) |
Exemplo Prático
Vamos imaginar que você comprou um CDB prefixado pagando 12% ao ano, com vencimento em 3 anos. O valor investido foi R$ 10.000.
Tabela - Crescimento Diário do Valor com Marcação à Curva:
| Data | Dias Corridos | Valor do Título (marcação à curva) |
|---|---|---|
| Dia 0 (compra) | 0 | R$ 10.000,00 |
| Após 6 meses | 180 | R$ 10.600,00* |
| Após 1 ano | 365 | R$ 11.200,00 |
| Após 3 anos | 1095 | R$ 14.049,00 |
*Valores aproximados apenas para fins didáticos. Considera crescimento contínuo baseado na taxa contratada.
Por Que Isso Importa Para Você?
Imagine que você decida vender esse título antes do vencimento. Se ele for precificado pela curva, o valor da venda será o valor "teórico", sem impacto das mudanças nas taxas de juros do mercado.
Por outro lado, se for negociado a mercado, ele pode valer mais ou menos do que você esperava. Por exemplo, se a taxa de juros cair, o seu título antigo (com uma taxa mais alta) se valoriza. Se a taxa subir, ele perde valor de mercado.
Fundos de Investimento e Marcação à Curva
Os fundos de renda fixa, especialmente os que investem em papéis com pouca liquidez, usam a marcação à curva para dar estabilidade ao valor da cota. Mas isso pode ser um problema em momentos de estresse do mercado, como em 2020 (crise da COVID), quando vários fundos tiveram que reprecificar seus ativos, revelando perdas não percebidas.
⚠️ Importante: A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) exige que mesmo a marcação à curva siga critérios técnicos e seja auditável, evitando que o investidor seja enganado com preços irreais.
Quando a Marcação à Curva Vira Risco?
- Resgate antes do vencimento: Você pode receber menos do que imagina se o fundo tiver que vender o papel no mercado.
- Crédito privado de baixa liquidez: Dificuldade de precificar corretamente pode esconder riscos.
- Mudança nas taxas de juros: Apesar de não impactar diretamente na curva, isso afeta a atratividade dos títulos.
Conclusão
A marcação à curva traz previsibilidade e estabilidade para o investidor de longo prazo, mas não deve ser confundida com garantia de retorno fixo. Saber se seu título ou fundo está sendo marcado à curva ou a mercado é essencial para tomar boas decisões — principalmente se você pensa em sair antes do vencimento.
Seja você um investidor iniciante ou mais experiente, entender a lógica da marcação à curva pode te ajudar a ter mais controle sobre seus investimentos e evitar surpresas desagradáveis.
